26/05/2013 - 08h00
ESPECIAL
Comprar imóvel
com “contrato de gaveta” não é seguro, mas é prática comum. Acordo particular
realizado entre o mutuário que adquiriu o financiamento com o banco e um
terceiro, traz riscos evidentes. Entre outras situações, o proprietário antigo
poderá vender o imóvel a outra pessoa, o imóvel pode ser penhorado por dívida
do antigo proprietário, o proprietário antigo pode falecer e o imóvel ser
inventariado e destinado aos herdeiros.
Além disso, o próprio vendedor poderá ser prejudicado, caso o comprador fique
devendo taxa condominial ou impostos do imóvel, pois estará sujeito a ser
acionado judicialmente em razão de ainda figurar como proprietário do imóvel.
Por problemas assim, o “contrato de gaveta” é causa de milhares de processos
nos tribunais, uma vez que 30% dos mutuários brasileiros são usuários desse
tipo de instrumento.
A Caixa Econômica Federal (CEF) considera o “contrato de gaveta” irregular
porque, segundo o artigo 1º da
Lei 8.004/90, alterada pela
Lei 10.150/00,
o mutuário do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) tem que transferir a
terceiros os direitos e obrigações decorrentes do respectivo contrato. Exige-se
que a formalização da venda se dê em ato concomitante à transferência
obrigatória na instituição financiadora.
Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reconhecido, em diversos
julgados, a possibilidade da realização dos “contratos de gaveta”, uma vez que
considera legítimo que o cessionário do imóvel financiado discuta em juízo as
condições das obrigações e direito assumidos no referido
contrato.
Validade de quitação
O STJ já reconheceu, por exemplo, que se o “contrato de gaveta” já se
consolidou no tempo, com o pagamento de todas as prestações previstas no
contrato, não é possível anular a transferência, por falta de prejuízo direto
ao agente do SFH.
Para os ministros da Primeira Turma, a interveniência do agente financeiro no
processo de transferência do financiamento é obrigatória, por ser o mútuo
hipotecário uma obrigação personalíssima, que não pode ser cedida, no todo ou
em parte, sem expressa concordância do credor.
No entanto, quando o financiamento já foi integralmente pago, com a situação de
fato plenamente consolidada no tempo, é de se aplicar a chamada “teoria do fato
consumado”, reconhecendo-se não haver como considerar inválido e nulo o
“contrato de gaveta” (REsp 355.771).
Em outro julgamento, o mesmo colegiado destacou que, com a edição da Lei
10.150, foi prevista a possibilidade de regularização das transferências
efetuadas até 25 de outubro de 1996 sem a anuência da instituição financeira,
desde que obedecidos os requisitos estabelecidos (REsp 721.232).
“Como se observa, o dispositivo em questão revela a intenção do legislador de
validar os chamados ‘contratos de gaveta’ apenas em relação às transferências
firmadas até 25 de outubro de 1996. Manteve, contudo, a vedação à cessão de
direitos sobre imóvel financiado no âmbito do SFH, sem a intervenção
obrigatória da instituição financeira, realizada posteriormente àquela data”,
afirmou o relator do caso, o então ministro do STJ Teori Zavascki, hoje no
Supremo Tribunal Federal (STF).
No julgamento do Recurso Especial 61.619, a Quarta Turma do STJ entendeu que é
possível o terceiro, adquirente de imóvel de mutuário réu em ação de execução
hipotecária, pagar as prestações atrasadas do financiamento habitacional, a fim
de evitar que o imóvel seja levado a leilão.
Para o colegiado, o terceiro é diretamente interessado na regularização da
dívida, uma vez que celebrou com os mutuários contrato de promessa de compra e
venda, quando lhe foram cedidos os direitos sobre o bem. No caso, a Turma não
estava discutindo a validade, em si, do “contrato de gaveta”, mas sim a
quitação da dívida para evitar o leilão do imóvel.
Revisão de cláusulas
Para o STJ, o cessionário de contrato celebrado sem a cobertura do FCVS (Fundo
de Compensação de Variações Salariais) não tem direito à transferência do
negócio com todas as suas condições originais, independentemente da
concordância da instituição financeira.
O FCVS foi criado no SFH com a finalidade de cobrir o saldo residual que
porventura existisse ao final do contrato de financiamento. Para ter esse
benefício, o mutuário pagava uma contribuição de 3% sobre cada parcela do
financiamento. Até 1987, os mutuários não tinham com o que se preocupar, pois
todos os contratos eram cobertos pelo FCVS. A partir de 1988, ele foi retirado
dos contratos e extinto em definitivo em 1993.
De acordo com a ministra Isabel Gallotti, relatora do
caso, o
terceiro pode requerer a regularização do financiamento, caso em que a
aceitação dependerá do agente financeiro e implicará a celebração de novo
contrato, com novas condições financeiras.
Segundo a ministra, quando o contrato é coberto pelo FCVS, o devedor é apenas
substituído e as condições e obrigações do contrato original são mantidas.
Porém, sem a cobertura do FCVS, a transferência ocorre a critério do agente
financeiro e novas condições financeiras são estabelecidas (REsp 1.171.845).
Em outro julgamento, o STJ também entendeu que o cessionário de mútuo
habitacional é parte legítima para propor ação ordinária contra agente
financeiro, objetivando a revisão de cláusula contratual e de débito, referente
a contrato de financiamento imobiliário com cobertura pelo FCVS.
“Perfilho-me à novel orientação jurisprudencial que vem se sedimentando nesta
Corte, considerando ser o cessionário de imóvel financiado pelo SFH parte
legítima para discutir e demandar em juízo questões pertinentes às obrigações
assumidas e aos direitos adquiridos através dos cognominados ‘contratos de
gaveta’, porquanto, com o advento da Lei 10.150, o mesmo teve reconhecido o
direito de sub-rogação dos direitos e obrigações do contrato primitivo”,
assinalou o relator do recurso, o ministro Luiz Fux, atualmente no STF (REsp
627.424).
Seguro habitacional
Exigido pelo SFH, o seguro habitacional garante a integridade do imóvel, que é
a própria garantia do empréstimo, além de assegurar, quando necessário, que, em
eventual retomada do imóvel pelo agente financeiro, o bem sofra a menor
depreciação possível.
No caso de “contrato de gaveta”, a Terceira Turma do STJ decidiu que não é
devido o seguro habitacional com a morte do comprador do imóvel nessa
modalidade, já que a transação foi realizada sem o conhecimento do financiador
e da seguradora (REsp 957.757).
Em seu voto, a relatora, ministra Nancy Andrighi, afirmou que, de fato, não é
possível a transferência do seguro habitacional nos “contratos de gaveta”, pois
nas prestações de mútuo é embutido valor referente ao seguro de vida, no qual
são levadas em consideração questões pessoais do segurado, tais como idade e comprometimento
da renda mensal.
“Ao analisar processos análogos, as Turmas que compõem a Segunda Seção
decidiram que, em contrato de promessa de compra e venda, a morte do promitente
vendedor quita o saldo devedor do contrato de financiamento. Reconhecer a
quitação do contrato de financiamento em razão, também, da morte do promitente
comprador, incorreria este em enriquecimento sem causa, em detrimento da
onerosidade excessiva do agente financeiro”, destacou a relatora.
Diante dos riscos representados pelo “contrato de gaveta”, o melhor é
regularizar a transferência, quando possível, ou ao menos procurar um
escritório de advocacia para que a operação de compra e venda seja ajustada com
o mínimo de risco para as partes contratantes.
Coordenadoria de Editoria e Imprensa do Superior Tribunal de Justiça
Matéria acessada
hoje dia 30/05/2013, às 16h27m, através deste link (para conferir clique nele:
A notícia acima refere-se aos seguintes processos (clique em cima dos números para ver os acórdãos):