quarta-feira, 28 de outubro de 2020

DOM DA PREMONIÇÃO, SIMPLES COINCIDÊNCIA E OUTRAS PROBABILIDADES

 


 


  

Prof. Dr. Osvaldo Vargas Jaques(*)

ojacques@comp.uems.br

 

 

A Revista Cálculo: Matemática Para Todos, n. 27, ano III, publicou um artigo com o título Premonição de Morte. Não quero destronar os verdadeiros profetas, mas colocar a plebe ignara (nós) para pensar antes de buscar efeitos especiais do Grande e Supremo Arquiteto do Universo (DEUS, BRAHMA, TUPÃ, JEOVÁ, ALÁ, MANITU...).

 

Vamos aos fatos resumidos desse artigo, atualizando para as informações mais atuais. O artigo cita que segundo o doutor em psicanálise Luiz Carlos Tarelho, "todo mês, dois entre dez pacientes conversam sobre sonhos em que algum conhecido morreu". Ou seja, 20% dos brasileiros tem um sonho em que alguém conhecido morre (parente, amigo, celebridade). Existem aproximadamente 208,5 milhões de pessoas no Brasil (IBGE 2018). Então 208.500.000 x 20% = 41.700.000 pessoas sonham pelo menos uma vez ao mês, que alguém conhecido morre. Dividindo por 30 dias temos um total de 41.700.000/30=1.390.000 brasileiros sonhando por dia que algum conhecido morreu.

 

Segundo o IBGE, em 2018, morreram 1.283.496 brasileiros. Aproximadamente 1.283.486/208.500.000 ≃ 0,6% da população. Uma média aproximada de 3.500 pessoas morrem por dia (1.283.496/365  3.516).

 

Qual a probabilidade de óbito por dia, para um população de 208,5 milhões? O quociente do número de eventos favoráveis dividido pelo número de eventos total.

 

Então a Pr(O), probabilidade de óbito por dia é Pr(O)=3.500/208.500.000  0,0016%.

 

Com 1.390.000 brasileiros sonhando com morte todo dia, o número esperado de sonhos "cuja profecia se realiza" é 1.390.000 0,0016%  23.

 

Então todo dia, no Brasil, 23 pessoas sonham que alguém conhecido morre e no outro dia esse alguém morre. Em um ano, 23x365=8395 "profetas", em 5 anos, quase 42.000 "profetas", juram de pé junto (opa!), que foram agraciados por um ser divino ou espiritual com essa revelação.

 

Sem política nenhuma, esta análise pode ser estendida para o problema da pandemia do covid-19.

Hoje, segundo informes, temos um total de 5 milhões de infectados, o que dá menos de 2,5 % de infecções no Brasil. Isto significa que tomando água, cachaça, ou fazendo a oração dos três pulinhos, a probabilidade de não pegar a doença e 97,5%. Os métodos de evitar aglomerações, abraços e uso de máscaras são apontados pelas pesquisas como um dos fatores que também ajudaram a diminuir a probabilidade de infecção. Essas informações podem ser vistas nas reportagens sobre a pandemia no dia a dia das reportagens ou no site https://susanalitico.saude.gov.br/extensions/covid-19_html/covid-19_html.html.

 

Ocorreram 150 mil óbitos, ou seja 150.000/5.000.000 = 3%. Se existirem 400 mil médicos no país tratando das infecções de covid-19, a estimativa é que 400.000 x 3% = 12.000 médicos percam pacientes e que 388 mil médicos não percam pacientes com covid, não importando o medicamento, desde que não seja veneno. Ou seja, encontraremos muitos, mas muitos médicos que não perderam pacientes.

 

Vemos que até aqui analisamos probabilidades médias, que podem variar. Antes de fechar este ensaio, um amigo lembrou que se apostarmos no jogo das seis dezenas, a probabilidade de ganharmos é 1 em 50.063.860, o que corresponde a 0,000002% de chance de ganhar. Isso significa que a cada jogo,  208.500.000 x 0,000002%  0,4 brasileiros ganham. Contudo, volta e meia, mais de um brasileiro acerta. Volta e meia, alguém fica rico em Las Vegas. A Lei das Médias no mundo dos jogos estilo roleta nos diz que enquanto você tiver ganhando, jogue, mas quando começar a perder, caia fora, pois após uma certa quantidade de repetições nos aproximamos da média, onde você perde e a banca ganha. É o mundo da convivência com probabilidades que nos faz olhar para os lados da rua antes de atravessar. Contudo, ninguém olha para cima, para verificar se um meteorito, um cofre ou piano está caindo. Isso porque na média, a probabilidade disso acontecer é muito pequena e portanto, desprezamos.

 

Embora não tenha analisado nenhuma estatística, provavelmente todos os dias alguém sonha que algum avião cai e uma represa se rompe e nada acontece. Novamente, porque na média a probabilidade disso acontecer é irrisório. É improvável, não é impossível.

 

A idéia aqui é apenas uma reflexão sobre como podemos ser induzidos a erros. Como disse Teilhard de Chardin"quanto mais espiritualizo a matéria, mais materializo minha convicção em Deus”Ter convicção não implica em crença sem uso da razão. Será que para Deus nada é impossível ou nada é improvável? Improvável é a probabilidade muito próxima de zero, mas não é zero. Se o Grande Arquiteto criou leis não creio que o mesmo violaria suas próprias leis. Penso que desconhecemos muitas variáveis. Pela falta de conhecimento, consideramos algumas coisas impossíveis, quando na verdade são improváveis. Assim, para Deus nada é improvável, sempre existem variáveis que nós, míseros humanos desconhecemos.

 

Análise aguçada não significa não acreditar, mas é um modo de evitar ilusões e mistificações.

 

(*) O Autor é:

 

Bel. em Ciência da Computação – UFMS

Com Especialização em Gestão Empresarial - UNIDERP/UFRGS

Mestre em Informática – UFPR

Doutor em Física Aplicada: Computação – Instituto de Física de São Carlos -     IFSC - USP