Luiz Carlos Nogueira
Tendo em vista
as constantes reclamações no que diz respeito à responsabilidade das provedoras
da Internet, especialmente no tocante às redes de comunicação social, via
Juizados Especiais, de forma contaria à jurisprudência do STJ, o ministro Raul
Araújo, resolveu admitir o processamento do caso em que concedeu liminar à
Google Brasil Internet Ltda., para suspender processo em que se discute a
responsabilidade da empresa em caso de invasão e alteração de perfil no site de
relacionamento Orkut, o qual divulgou conteúdo constrangedor, que será julgado
pela Segunda Seção.
A consideração do ministro
foi de que, nos casos como o que está em debate, vem se firmando o entendimento
no sentido de que não incide a regra da responsabilidade objetiva, prevista no
artigo 927 do Código Civil de 2002, pois não se trata de risco inerente à
atividade do provedor.
Veja a
decisão a seguir:
Superior Tribunal de Justiça
RECLAMAÇÃO Nº 11.654 - PR (2013/0041322-9)
RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO
RECLAMANTE
: GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA
ADVOGADO :
EDUARDO LUIZ BROCK
RECLAMADO :
SEGUNDA TURMA RECURSAL
DO JUIZADO ESPECIAL
CÍVEL DO ESTADO DO PARANÁ
INTERES. : CLEBER JOSÉ MANDECÃO
ADVOGADO :
PABLO FRIZZO
DECISÃO

Cuida-se de reclamação ajuizada por GOOGLE BRASIL
INTERNET LTDA
em face de acórdão da col. Turma Recursal Única dos
Juizados Especiais Cíveis do Estado do
Paraná, assim ementado (fl. 155):
"RECURSO INOMINADO.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. INVASÃO E
ALTERAÇÃO DE PERFIL EM SITO DE RELACIONAMENTO DA INTERNET. ORKUT. DIVULGAÇÃO DE
CONTEÚDO CONSTRANGEDOR. LEGITIMIDADE PASSIVA DO RECORRENTE. RESPONSABILIDADE
PELAS INFORMAÇÕES CONTIDAS. APLICAÇÃO DO CDC. CULPA EXCLUSIVA DE TERCEIRO NÃO
CONFIGURADA. RESPONSABILIDADE DE RECORRENTE PELO ANONIMATO POR ELE PERMITIDO.
RISCO DO NEGÓCIO. DANO MORAL. OCORRÊNCIA. DEVER DE INDENIZAR. QUANTUM INDENIZATÓRIO
QUE NÃO COMPORTA REDUÇÃO. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.
RECURSO DESPROVIDO."
Tratam os autos originariamente de ação de
indenização por danos morais (fls.
52-61) proposta
por Cleber José
Mandecão, ora interessado,
por meio do
qual se busca
reparação pelos supostos danos morais decorrente de perfil
falso no sitio eletrônico "Orkut ".
O magistrado primevo prolatou sentença (fls.
104-115), da qual se destaca que
os danos morais
foram arbitrados em
R$ 3.000,00 (três
mil reais) reconhecendo-se a
responsabilidade objetiva
da ora reclamante
pelo conteúdo ofensivo,
com fundamento nos
arts. 14 do CDC combinado com 927, parágrafo único, do
Código Civil.
O acórdão ora atacado confirmou, in totum, a
sentença, nos termos do art. 46
da Lei nº 9.099/95.
A
reclamante sustenta que
não pode ser
responsabilizada porque é mera
provedora de conteúdo da internet , devendo a
responsabilidade recair sobre quem procedeu
ao ato ilícito. Aduz, ainda, ser inaplicável a teoria
integral do risco. Verbera a existência de
excludente de ilicitude, uma vez que não houve defeito no
serviço da Google, haja vista ser impossível fiscalizar e monitorar o conteúdo
do sitio eletrônico "Orkut ". Alega, também, que tampouco
ocorreu anonimato consentido, porque mediante o "Internet Protocol
- IP"´ é possível identificar o responsável pelas supostas ofensas.
Aduz que o aresto objurgado contraria o entendimento do
STJ exarado no REsp 1.193.764/SP, julgado em 19/06/2012, Terceira Turma, de
Relatoria da Ministra Nancy Andrighi, DJe de 28/08/2012.
Por fim, requer seja deferida liminar, a fim de suspender
o processamento do feito originário, até o julgamento final, pugnando pelo
recebimento e provimento da reclamação, a fim de que seja reformado o acórdão
impugnado, adequando-se a decisão à orientação firmada por esta Corte Superior.

É o relatório. Passo a decidir.
A Corte Especial, apreciando questão de ordem levantada na
Rcl 3.752/GO, em atenção ao decidido nos EDcl no RE 571.572/BA (relatora a Min.
ELLEN GRACIE), entendeu pela possibilidade de se ajuizar reclamação perante
esta Corte com a finalidade de adequar as decisões proferidas pelas Turmas
Recursais dos Juizados Especiais estaduais à súmula ou jurisprudência dominante
do STJ, de modo a evitar a manutenção de decisões conflitantes a respeito da
interpretação da legislação infraconstitucional no âmbito do Judiciário.
Assim, buscando adaptar o instituto
da reclamação ao novo propósito a ele confiado, foi editada a Resolução nº 12,
de 14 de dezembro de 2009, que se aplica a este feito.
A eg. Segunda Seção, em 9 de novembro de 2011, no
julgamento das Reclamações 3.812/ES e 6.721/MT, em deliberação quanto à
admissibilidade da Reclamação disciplinada pela mencionada Resolução nº 12,
firmou posicionamento no sentido de que a expressão "jurisprudência
consolidada" , restringe-se a precedentes exarados no julgamento de
recursos especiais em controvérsias repetitivas (art. 543-C do CPC) ou
enunciados de Súmula da jurisprudência.
Impende destacar, ainda, que a eg. Segunda Seção também já
firmou entendimento de que tais requisitos podem ser mitigados em casos de
teratologia ou manifesta ilegalidade do acórdão vergastado. Nesse sentido, confira-se
o seguinte precedente:
"RECLAMAÇÃO. RESOLUÇÃO STJ
Nº 12/2009. DIVERGÊNCIA ENTRE ACÓRDÃO DE TURMA RECURSAL ESTADUAL E A
JURISPRUDÊNCIA DO STJ. RESPONSABILIDADE CIVIL. ASSALTO NO INTERIOR DE
ÔNIBUS COLETIVO. CASO FORTUITO EXTERNO. EXCLUSÃO DA
RESPONSABILIDADE DA EMPRESA TRANSPORTADORA. MATÉRIA PACIFICADA NA SEGUNDA
SEÇÃO.
(i) precedentes exarados no julgamento de recursos
especiais em controvérsias repetitivas (art. 543-C do CPC) ou (ii) enunciados
de Súmula da jurisprudência desta Corte.
2. No caso dos autos, contudo, não obstante a
matéria não estar disciplinada em enunciado de Súmula deste Tribunal, tampouco
submetida ao regime dos recursos repetitivos, evidencia-se hipótese de
teratologia a justificar a relativização desses critérios.

é no
sentido de que
o assalto à
mão armada dentro
de coletivo
constitui
fortuito a afastar
a responsabilidade
|
da
|
empresa
|
|
transportadora
|
pelo evento danoso daí decorrente para o passageiro.
|
||
4. Reclamação
|
procedente."
|
|
|
(Rcl 4.518/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS
CUEVA , SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 29/02/2012, DJe 07/03/2012)
Na hipótese em liça, a questão cinge-se a saber se a
responsabilidade civil da
ora reclamante é objetiva, com fundamento nos arts. 14 do
CPC e o 927, parágrafo único, do
CPC, consoante declarou o acórdão atacado.
Em casos antecedentes
(Rcl 5.681-PR e
5.497-PR) neguei seguimento
as
reclamações por não haver vislumbrado a existência de
entendimento consolidado, sobre o
tema central, nesta Corte Superior, nem constatado maior
relevância na questão.
Contudo, idênticas hipóteses continuam a aportar a
este Tribunal, provenientes
do Estado do Paraná, tratando da mesma questão, revelando
efeito multiplicador, o que torna
necessário um exame mais profundado sobre o tema, para que
a solução até aqui adota, de
negar seguimento às sucessivas reclamações, não represente
incentivo a tais demandas que,
em sede
de juizado especial,
estejam recebendo solução
contrária ao entendimento
desta
Corte uniformizadora.
Verifico que
parece ter este o entendimento
também do eminente
Ministro
JOÃO OTÁVIO DE NORONHA que, ao examinar a Rcl 5.345-PR, deferiu a liminar
nos
seguintes termos:
"Examinados os autos,
constato, em sede de cognição sumária, a plausibilidade do direito vindicado
pela reclamante, presente a existência de diversos julgados desta Corte em
sentido aparentemente favorável à tese defendida na inicial. Defiro, pois, a
medida liminar para suspender os efeitos do acórdão reclamado como forma de
prevenir possíveis danos à reclamante."
De fato, no exame de recursos especiais o Superior
Tribunal de Justiça decidiu
sobre a questão em sentido diverso do que vem noticiando,
mais uma vez, a ora reclamante:
"RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR.
PROVEDOR. MENSAGEM DE CONTEÚDO OFENSIVO. RETIRADA. REGISTRO DE NÚMERO DO IP.
DANO MORAL. AUSÊNCIA. PROVIMENTO.
1.- No caso de mensagens moralmente ofensivas,
inseridas no site de provedor de conteúdo por usuário, não incide a regra de
responsabilidade objetiva, prevista no art. 927, parágrafo único, do Cód.
Civil/2002, pois não se configura risco inerente à atividade do provedor.
Precedentes.

2.- É o provedor de conteúdo obrigado a retirar
imediatamente o conteúdo ofensivo, pena de responsabilidade solidária com o
autor direto do dano.
3.- O provedor de conteúdo é obrigado a viabilizar a
identificação de usuários, coibindo o anonimato; o registro do número de
protocolo (IP) dos computadores utilizados para cadastramento de contas na
internet constitui meio de rastreamento de usuários, que ao provedor compete,
necessariamente, providenciar.
4.-
Recurso Especial provido. Ação de indenização por danos morais julgada
improcedente."
(REsp
1306066/MT, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em
17/04/2012, DJe 02/05/2012)
DIREITO CIVIL
E DO CONSUMIDOR.
INTERNET. RELAÇÃO
DE CONSUMO.
INCIDÊNCIA DO
CDC. GRATUIDADE DO
SERVIÇO. INDIFERENÇA. PROVEDOR DE
CONTEÚDO.
FISCALIZAÇÃO PRÉVIA
DO TEOR DAS
INFORMAÇÕES
POSTADAS NO
SITE PELOS USUÁRIOS.
DESNECESSIDADE.
MENSAGEM DE CONTEÚDO
OFENSIVO. DANO MORAL.
RISCO
INERENTE AO
NEGÓCIO. INEXISTÊNCIA. CIÊNCIA DA
EXISTÊNCIA DE CONTEÚDO
ILÍCITO. RETIRADA IMEDIATA
DO
AR.
DEVER. DISPONIBILIZAÇÃO DE MEIOS
PARA
IDENTIFICAÇÃO DE
CADA USUÁRIO. DEVER.
REGISTRO DO
NÚMERO DE
IP. SUFICIÊNCIA.
1. A
exploração comercial da
internet sujeita as
relações de
consumo
daí advindas à Lei nº 8.078/90.
2. O
fato de o serviço prestado pelo provedor de serviço de internet ser gratuito
não desvirtua a relação de consumo, pois o termo "mediante
remuneração" contido no art. 3º, § 2º, do CDC deve ser interpretado de
forma ampla, de modo a incluir o ganho indireto do fornecedor.
3. A
fiscalização prévia, pelo provedor de conteúdo, do teor das informações
postadas na web por cada usuário não é atividade
intrínseca ao serviço prestado, de modo que não se
pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site que não examina e
filtra os dados e imagens nele inseridos.
4. O
dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo inseridas no site pelo
usuário não constitui risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo, de
modo que não se lhes aplica a responsabilidade objetiva prevista no art. 927,
parágrafo único, do CC/02.
5. Ao
ser comunicado de que determinado texto ou imagem possui conteúdo ilícito, deve
o provedor agir de forma enérgica, retirando o material do ar imediatamente,
sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano, em virtude da
omissão praticada.
6. Ao
oferecer um serviço por meio do qual se possibilita que os usuários externem
livremente sua opinião, deve o provedor de conteúdo ter o cuidado de propiciar
meios para que se possa identificar cada um desses usuários, coibindo o
anonimato e
![]() |
Sob
|
||||
a ótica
da diligência média
que se espera
do provedor, deve
|
este
|
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adotar
as providências
|
que, conforme
|
as
circunstâncias
|
específicas
|
||
de cada
caso, estiverem
|
ao seu
alcance
|
para a individualização dos
|
|||
usuários
do site, sob pena de responsabilização subjetiva por culpa in omittendo.
7. Ainda que não exija os dados pessoais dos seus
usuários, o provedor de conteúdo, que registra o número de protocolo na
internet (IP) dos computadores utilizados para o cadastramento de cada conta,
mantém um meio razoavelmente eficiente de rastreamento dos seus usuários,
medida de segurança que corresponde à diligência média esperada dessa
modalidade de provedor de serviço de internet. 8. Recurso especial a que se
nega provimento.
(REsp
1193764/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
14/12/2010, DJe 08/08/2011)
Assim, em que pese o
aresto objurgado não contrarie diretamente Súmula desta
Corte nem
confronte com precedentes
julgados pelo rito
do art. 543-C
do CPC, aparenta
tratar-se de
decisão manifestamente ilegal
e, prima facie,
contraria a entendimento
desta
Corte quanto à aplicação da responsabilidade civil, nos
termos do art. 927, parágrafo único,
do Código Civil, a provedor de conteúdo na internet
.
Desse
modo, em exame
perfunctório, considerando os
precedentes supra
transcritos, bem
como a plausibilidade do
direito invocado e
o fundado receio
de difícil
reparação,
dado o efeito
multiplicador identificado, defere-se
a liminar requerida
para
determinar a suspensão do processo originário, até o
julgamento final da presente reclamação.
Comunique-se, com urgência, à Turma Recursal
Única dos Juizados Especiais
Cíveis do
Estado do Paraná,
inclusive por fax,
acerca da concessão
da presente liminar,
determinando-se a imediata suspensão do processo.
Dê-se
ciência ao interessado, Cleber José Mandecão, a fim de que se manifeste,
querendo, no prazo de 10 (dez) dias.
Solicitem-se informações à autoridade reclamada.
Após, vista ao Ministério Público Federal.
Publique-se.
Brasília (DF), 19 de fevereiro de 2013.

MINISTRO RAUL ARAÚJO
Relator
Documento: 27085383 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJe:
25/02/2013 Página 6 de 6
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