sábado, 16 de março de 2013

Há responsabilidade do provedor da Internet por ofensa em site de relacionamento?












Luiz Carlos Nogueira












Tendo em vista as constantes reclamações no que diz respeito à responsabilidade das provedoras da Internet, especialmente no tocante às redes de comunicação social, via Juizados Especiais, de forma contaria à jurisprudência do STJ, o ministro Raul Araújo, resolveu admitir o processamento do caso em que concedeu liminar à Google Brasil Internet Ltda., para suspender processo em que se discute a responsabilidade da empresa em caso de invasão e alteração de perfil no site de relacionamento Orkut, o qual divulgou conteúdo constrangedor, que será julgado pela Segunda Seção. 

A consideração do ministro foi de que, nos casos como o que está em debate, vem se firmando o entendimento no sentido de que não incide a regra da responsabilidade objetiva, prevista no artigo 927 do Código Civil de 2002, pois não se trata de risco inerente à atividade do provedor. 


Veja a decisão a seguir:


Superior Tribunal de Justiça



RECLAMAÇÃO Nº 11.654 - PR (2013/0041322-9)

RELATOR               :  MINISTRO RAUL ARAÚJO

RECLAMANTE      :  GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA

ADVOGADO            :  EDUARDO LUIZ BROCK

RECLAMADO          :  SEGUNDA   TURMA   RECURSAL   DO   JUIZADO   ESPECIAL

CÍVEL DO ESTADO DO PARANÁ

INTERES.                 :  CLEBER JOSÉ MANDECÃO

ADVOGADO            :  PABLO FRIZZO

DECISÃO

Cuida-se de reclamação ajuizada por GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA

em face de acórdão da col. Turma Recursal Única dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do

Paraná, assim ementado (fl. 155):

"RECURSO INOMINADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. INVASÃO E ALTERAÇÃO DE PERFIL EM SITO DE RELACIONAMENTO DA INTERNET. ORKUT. DIVULGAÇÃO DE CONTEÚDO CONSTRANGEDOR. LEGITIMIDADE PASSIVA DO RECORRENTE. RESPONSABILIDADE PELAS INFORMAÇÕES CONTIDAS. APLICAÇÃO DO CDC. CULPA EXCLUSIVA DE TERCEIRO NÃO CONFIGURADA. RESPONSABILIDADE DE RECORRENTE PELO ANONIMATO POR ELE PERMITIDO. RISCO DO NEGÓCIO. DANO MORAL. OCORRÊNCIA. DEVER DE INDENIZAR. QUANTUM INDENIZATÓRIO QUE NÃO COMPORTA REDUÇÃO. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO DESPROVIDO."

Tratam os autos originariamente de ação de indenização por danos morais (fls.

52-61)  proposta  por  Cleber  José  Mandecão,  ora  interessado,  por  meio  do  qual  se  busca

reparação pelos supostos danos morais decorrente de perfil falso no sitio eletrônico "Orkut ".

O magistrado primevo prolatou sentença (fls. 104-115), da qual se destaca que

os  danos  morais  foram  arbitrados  em  R$  3.000,00  (três  mil  reais)  reconhecendo-se  a

responsabilidade  objetiva  da  ora  reclamante  pelo  conteúdo  ofensivo,  com  fundamento  nos

arts. 14 do CDC combinado com 927, parágrafo único, do Código Civil.

O acórdão ora atacado confirmou, in totum, a sentença, nos termos do art. 46

da Lei nº 9.099/95.

A  reclamante  sustenta  que  não  pode  ser  responsabilizada  porque  é  mera

provedora de conteúdo da internet , devendo a responsabilidade recair sobre quem procedeu

ao ato ilícito. Aduz, ainda, ser inaplicável a teoria integral do risco. Verbera a existência de
excludente de ilicitude, uma vez que não houve defeito no serviço da Google, haja vista ser impossível fiscalizar e monitorar o conteúdo do sitio eletrônico "Orkut ". Alega, também, que tampouco ocorreu anonimato consentido, porque mediante o "Internet Protocol - IP"´ é possível identificar o responsável pelas supostas ofensas.

Aduz que o aresto objurgado contraria o entendimento do STJ exarado no REsp 1.193.764/SP, julgado em 19/06/2012, Terceira Turma, de Relatoria da Ministra Nancy Andrighi, DJe de 28/08/2012.

Por fim, requer seja deferida liminar, a fim de suspender o processamento do feito originário, até o julgamento final, pugnando pelo recebimento e provimento da reclamação, a fim de que seja reformado o acórdão impugnado, adequando-se a decisão à orientação firmada por esta Corte Superior.
É o relatório. Passo a decidir.

A Corte Especial, apreciando questão de ordem levantada na Rcl 3.752/GO, em atenção ao decidido nos EDcl no RE 571.572/BA (relatora a Min. ELLEN GRACIE), entendeu pela possibilidade de se ajuizar reclamação perante esta Corte com a finalidade de adequar as decisões proferidas pelas Turmas Recursais dos Juizados Especiais estaduais à súmula ou jurisprudência dominante do STJ, de modo a evitar a manutenção de decisões conflitantes a respeito da interpretação da legislação infraconstitucional no âmbito do Judiciário.

Assim, buscando adaptar o instituto da reclamação ao novo propósito a ele confiado, foi editada a Resolução nº 12, de 14 de dezembro de 2009, que se aplica a este feito.

A eg. Segunda Seção, em 9 de novembro de 2011, no julgamento das Reclamações 3.812/ES e 6.721/MT, em deliberação quanto à admissibilidade da Reclamação disciplinada pela mencionada Resolução nº 12, firmou posicionamento no sentido de que a expressão "jurisprudência consolidada" , restringe-se a precedentes exarados no julgamento de recursos especiais em controvérsias repetitivas (art. 543-C do CPC) ou enunciados de Súmula da jurisprudência.

Impende destacar, ainda, que a eg. Segunda Seção também já firmou entendimento de que tais requisitos podem ser mitigados em casos de teratologia ou manifesta ilegalidade do acórdão vergastado. Nesse sentido, confira-se o seguinte precedente:

"RECLAMAÇÃO. RESOLUÇÃO STJ Nº 12/2009. DIVERGÊNCIA ENTRE ACÓRDÃO DE TURMA RECURSAL ESTADUAL E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. RESPONSABILIDADE CIVIL. ASSALTO NO INTERIOR DE




ÔNIBUS COLETIVO. CASO FORTUITO EXTERNO. EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DA EMPRESA TRANSPORTADORA. MATÉRIA PACIFICADA NA SEGUNDA SEÇÃO.

1. A egrégia Segunda Seção desta Corte, no julgamento das Reclamações nº 6.721/MT e nº 3.812/ES, no dia 9 de novembro de 2011, em deliberação quanto à admissibilidade da reclamação disciplinada pela Resolução nº 12, firmou posicionamento no sentido de que a expressão "jurisprudência consolidada" deve compreender:

(i) precedentes exarados no julgamento de recursos especiais em controvérsias repetitivas (art. 543-C do CPC) ou (ii) enunciados de Súmula da jurisprudência desta Corte.
2. No caso dos autos, contudo, não obstante a matéria não estar disciplinada em enunciado de Súmula deste Tribunal, tampouco submetida ao regime dos recursos repetitivos, evidencia-se hipótese de teratologia a justificar a relativização desses critérios.
3. A jurisprudência  consolidada  neste  Tribunal  Superior,  há tempos,

é  no  sentido  de  que  o  assalto  à  mão  armada  dentro  de  coletivo
constitui    fortuito    a    afastar    a    responsabilidade
da
empresa
transportadora
pelo evento danoso daí decorrente  para o passageiro.
4. Reclamação
procedente."


(Rcl 4.518/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA , SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 29/02/2012, DJe 07/03/2012)

Na hipótese em liça, a questão cinge-se a saber se a responsabilidade civil da

ora reclamante é objetiva, com fundamento nos arts. 14 do CPC e o 927, parágrafo único, do

CPC, consoante declarou o acórdão atacado.

Em  casos  antecedentes  (Rcl  5.681-PR  e  5.497-PR)  neguei  seguimento  as

reclamações por não haver vislumbrado a existência de entendimento consolidado, sobre o

tema central, nesta Corte Superior, nem constatado maior relevância na questão.

Contudo, idênticas hipóteses continuam a aportar a este Tribunal, provenientes

do Estado do Paraná, tratando da mesma questão, revelando efeito multiplicador, o que torna

necessário um exame mais profundado sobre o tema, para que a solução até aqui adota, de

negar seguimento às sucessivas reclamações, não represente incentivo a tais demandas que,

em  sede  de  juizado  especial,  estejam  recebendo  solução  contrária  ao  entendimento  desta

Corte uniformizadora.

Verifico  que  parece  ter  este  o  entendimento  também  do  eminente  Ministro

JOÃO OTÁVIO DE NORONHA que,  ao examinar a Rcl 5.345-PR, deferiu a liminar nos

seguintes termos:

"Examinados os autos, constato, em sede de cognição sumária, a plausibilidade do direito vindicado pela reclamante, presente a existência de diversos julgados desta Corte em sentido aparentemente favorável à tese defendida na inicial. Defiro, pois, a medida liminar para suspender os efeitos do acórdão reclamado como forma de prevenir possíveis danos à reclamante."






De fato, no exame de recursos especiais o Superior Tribunal de Justiça decidiu

sobre a questão em sentido diverso do que vem noticiando, mais uma vez, a ora reclamante:


"RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. PROVEDOR. MENSAGEM DE CONTEÚDO OFENSIVO. RETIRADA. REGISTRO DE NÚMERO DO IP. DANO MORAL. AUSÊNCIA. PROVIMENTO.

1.- No caso de mensagens moralmente ofensivas, inseridas no site de provedor de conteúdo por usuário, não incide a regra de responsabilidade objetiva, prevista no art. 927, parágrafo único, do Cód. Civil/2002, pois não se configura risco inerente à atividade do provedor. Precedentes.
2.- É o provedor de conteúdo obrigado a retirar imediatamente o conteúdo ofensivo, pena de responsabilidade solidária com o autor direto do dano.

3.- O provedor de conteúdo é obrigado a viabilizar a identificação de usuários, coibindo o anonimato; o registro do número de protocolo (IP) dos computadores utilizados para cadastramento de contas na internet constitui meio de rastreamento de usuários, que ao provedor compete, necessariamente, providenciar.

4.- Recurso Especial provido. Ação de indenização por danos morais julgada improcedente."
(REsp 1306066/MT, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/04/2012, DJe 02/05/2012)


DIREITO   CIVIL  E  DO  CONSUMIDOR.   INTERNET.   RELAÇÃO

DE   CONSUMO.    INCIDÊNCIA    DO   CDC.   GRATUIDADE    DO

SERVIÇO.     INDIFERENÇA.      PROVEDOR     DE     CONTEÚDO.

FISCALIZAÇÃO     PRÉVIA     DO    TEOR     DAS    INFORMAÇÕES

POSTADAS   NO   SITE   PELOS   USUÁRIOS.   DESNECESSIDADE.

MENSAGEM  DE CONTEÚDO  OFENSIVO.  DANO  MORAL.  RISCO

INERENTE    AO   NEGÓCIO.    INEXISTÊNCIA.    CIÊNCIA    DA

EXISTÊNCIA  DE CONTEÚDO  ILÍCITO.  RETIRADA  IMEDIATA  DO

AR.      DEVER.      DISPONIBILIZAÇÃO          DE      MEIOS      PARA

IDENTIFICAÇÃO   DE  CADA  USUÁRIO.   DEVER.  REGISTRO   DO

NÚMERO  DE IP. SUFICIÊNCIA.

1.   A   exploração   comercial   da   internet   sujeita   as   relações   de

consumo  daí advindas  à Lei nº 8.078/90.

2.   O fato de o serviço prestado pelo provedor de serviço de internet ser gratuito não desvirtua a relação de consumo, pois o termo "mediante remuneração" contido no art. 3º, § 2º, do CDC deve ser interpretado de forma ampla, de modo a incluir o ganho indireto do fornecedor.

3.     A fiscalização prévia, pelo provedor de conteúdo, do teor das informações postadas na web por cada usuário não é atividade






intrínseca ao serviço prestado, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site que não examina e filtra os dados e imagens nele inseridos.

4.    O dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo inseridas no site pelo usuário não constitui risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo, de modo que não se lhes aplica a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do CC/02.

5.    Ao ser comunicado de que determinado texto ou imagem possui conteúdo ilícito, deve o provedor agir de forma enérgica, retirando o material do ar imediatamente, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano, em virtude da omissão praticada.
6.    Ao oferecer um serviço por meio do qual se possibilita que os usuários externem livremente sua opinião, deve o provedor de conteúdo ter o cuidado de propiciar meios para que se possa identificar cada um desses usuários, coibindo o anonimato e
atribuindo  a cada manifestação  uma autoria certa e determinada.
Sob

a  ótica  da  diligência  média  que  se  espera  do  provedor,  deve
este

adotar  as  providências
que,  conforme
as  circunstâncias
específicas
de  cada  caso,  estiverem
ao  seu  alcance
para  a individualização   dos
usuários do site, sob pena de responsabilização subjetiva por culpa in omittendo.
7. Ainda que não exija os dados pessoais dos seus usuários, o provedor de conteúdo, que registra o número de protocolo na internet (IP) dos computadores utilizados para o cadastramento de cada conta, mantém um meio razoavelmente eficiente de rastreamento dos seus usuários, medida de segurança que corresponde à diligência média esperada dessa modalidade de provedor de serviço de internet. 8. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp 1193764/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/12/2010, DJe 08/08/2011)

Assim, em que pese o aresto objurgado não contrarie diretamente Súmula desta

Corte  nem  confronte  com  precedentes  julgados  pelo  rito  do  art.  543-C  do  CPC,  aparenta

tratar-se  de  decisão  manifestamente  ilegal  e,  prima  facie,  contraria  a  entendimento  desta

Corte quanto à aplicação da responsabilidade civil, nos termos do art. 927, parágrafo único,

do Código Civil, a provedor de conteúdo na internet .

Desse  modo,  em  exame  perfunctório,  considerando  os  precedentes  supra

transcritos,  bem  como  a  plausibilidade  do  direito  invocado  e  o  fundado  receio  de  difícil

reparação,  dado  o  efeito  multiplicador  identificado,  defere-se  a  liminar  requerida  para

determinar a suspensão do processo originário, até o julgamento final da presente reclamação.

Comunique-se, com urgência, à Turma Recursal Única dos Juizados Especiais

Cíveis  do  Estado  do  Paraná,  inclusive  por  fax,  acerca  da  concessão  da  presente  liminar,






determinando-se a imediata suspensão do processo.

Dê-se ciência ao interessado, Cleber José Mandecão, a fim de que se manifeste, querendo, no prazo de 10 (dez) dias.

Solicitem-se informações à autoridade reclamada.

Após, vista ao Ministério Público Federal.

Publique-se.

Brasília (DF), 19 de fevereiro de 2013.

MINISTRO RAUL ARAÚJO

Relator














































Documento: 27085383 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJe: 25/02/2013                 Página  6 de 6


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