segunda-feira, 9 de maio de 2011

O que é ser cidadão e ter cidadania?


Por Luiz Carlos Nogueira

nogueirablog@gmail.com



Conforme o Dicionário Caldas Aulete, cidadão (substantivo masculino) significa:


1 Pessoa no gozo de seus direitos políticos e civis; indivíduo que é membro de um Estado e tem perante este a mesma condição que a maioria do povo: dever de obediência às leis e ao governo e direito a proteção


2 Pop. Irôn. Joc. Indivíduo, pessoa.


3 Habitante de uma cidade; esp., na Idade Média, aquele era livre de laços ou obrigações em relação a algum senhor



Por derivação, cidadania (substantivo feminino) significa:


1 Condição de cidadão, com seus direitos e obrigações (cidadania brasileira).


2 O conjunto dos cidadãos.: campanha da cidadania contra a miséria e a fome


3 Conjunto dos direitos civis, políticos e sociais dos cidadãos, ou dos mecanismos para o estabelecimento e garantia desses direitos: aprimoramento da cidadania


4 P.ext. Exercício consciente da condição de cidadão; atuação na sociedade, em defesa da ampliação e fortalecimento da cidadania (3): Como solução para os problemas sociais, defendeu, além do desenvolvimento econômico, um choque de cidadania.


Tomando emprestados os dizeres de Dalmo de Abreu Dallari (in Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1998. p.14), a expressão cidadania é originária do latim, que designava o indivíduo habitante da cidade (civitas), e na Roma antiga era empregado para indicar a situação política de uma pessoa, com exceção das mulheres, dos escravos, crianças e outros), bem como para indicar os seus direitos em relação ao Estado:


“A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social”.


Já na Grécia antiga, segundo Wilba L. M. Bernardes. in Da nacionalidade: Brasileiros natos e naturalizados. 1.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. 23p.


“A cidadania era para os gregos um bem inestimável. Para eles a plena realização do homem se fazia na sua participação integral na vida social e política da Cidade-Estado”. “...só possuía significação se todos os cidadãos participassem integralmente da vida política e social e isso só era possível em comunidades pequenas”.


Na verdade o que se observa tanto na Roma Antiga como na Grécia Antiga, é que apenas uma classe de cidadãos exercia efetivamente a cidadania. Os gregos entretanto, muito contribuíram para suavizar a leis e para a evolução do direito, permitindo a partir das reformas Clístenes ocorridas no ano 509 a.c, a igualdade dos direitos do cidadão, que passou a poder exercer quaisquer cargos no governo, pois Clístenes incorporou as reformas políticas de Sólon (considerado um dos pais da democracia), declarando que a partir de então não mais haveria castas religiosas, portanto, isso acabando com os privilégios de quem nascia sob o manto de uma religião ou facção política.


Segundo a cientista social, doutora Maria de Lourdes Manzini Covre, em seu livro da Coleção Primeiros Passos, Ed.brasiliense, São Paulo, 1991, “Ha algum tempo o tema cidadania passou a ser mais ventilado no mundo contemporâneo, inclusive no Brasil. Ele aparece na fala de quem detém o poder político (políticos, capitalistas etc.), na produção intelectual e nos meios de comunicação (rádio, jornal, TV), e também junto às camadas mais desprivilegiadas da população. Nas décadas de 60 e 70, esse tema não exercia o mesmo apelo. Ouvíamos então falar de mudança social, do modelo revolucionário russo ou chinês. Naquela época cidadania tinha uma conotação pejorativa, espécie de engodo a ‘la democracia americana’, que não levaria a nada. Hoje aqueles modelos revolucionários, tais como foram encaminhados inicialmente, mostram-se falidos. Novas propostas, de certa forma relacionadas ao tema cidadania, passaram sobre eles. Bons exemplos são a perestroika a glasnost enquanto forma econômica e abertura política da União Soviética e países congêneres. Assim, a cidadania é atualmente assunto de debate na democracia ocidental quanto o socialismo do Leste, entre as classes abastadas e as menos abastadas, e aparece na pauta dos diversos movimentos sociais — que reivindicam saneamento básico, saúde, educação, fim da discriminação sexual e racial [..]”


Prosseguindo a autora diz: “Façamos uma primeira aproximação. O que é ser cidadão? Para muita gente, ser cidadão confunde-se com o direito de votar. Mas quem já teve alguma experiência política — no bairro, igreja, escola, sindicato etc. — sabe que o ato de votar não garante nenhuma cidadania, se não vier acompanhado de determinadas condições de nível econômico, político, social e cultural. Podemos afirmar que ser cidadão significa ter direitos e deveres, ser súdito e ser soberano [...]”


Nesse aspecto Jean-Jacques Rosseau (Rousseau e a questão da cidadania, por Gilda Naécia Maciel Barros) já advertia:


“Esta situação exige para vós máximas específicas. Não sendo ociosos como eram os antigos povos, vós não podeis, como eles, ocupar-vos sem cessar do governo; mas justamente pelo fato de que vós quase não podeis vigiar constantemente o governo, deve ele ser instituído de modo que vos seja mais fácil ver as suas manobras e prevenir os abusos. Todos os cuidados que, por exigência de vossos próprios interesses, deveis ter na ordem pública, devem ser tornados tanto mais fáceis de tomar quanto um cuidado que vos custe e que não tomeis de bom grado. Porque querer desonerar-se inteiramente é querer cessar de ser livre. É preciso optar, diz o filósofo benfazejo, e os que não podem suportar o trabalho só têm de procurar o repouso na servidão. Um povo inquieto, desocupado, agitado e carente de negócios particulares, sempre pronto a imiscuir-se nos negócios do Estado, tem necessidade de ser contido, eu o sei; mas, novamente, é a burguesia de Genebra esse povo? Nada assemelha-se menos a isso; ela é o antípoda dele. Vós cidadãos, inteiramente absorvidos em vossas ocupações particulares e sempre indiferentes diante do resto, só cuidais do interesse público quando o vosso é atacado. Muito pouco cuidadosos em esclarecer a conduta de seus chefes, não vêem os ferros que se lhes prepara a não ser quando sentem o peso deles. Sempre distraídos, sempre enganados, sempre atentos a outros objetos, deixam-se enganar acerca do mais importante de todos, e vão sempre procurando o remédio, por falta de ter sabido prevenir o mal. De tanto calcular os seus passos, não os dão nunca senão demasiado tarde. Seus vagares os teriam já perdido cem vezes se a impaciência do magistrado não os tivesse salvo e se, apressado em exercer esse poder supremo ao qual ele aspira, ele próprio não os tivesse advertido do perigo. Segui a história de vosso governo, vós vereis sempre o Conselho, ardente em seus empreendimentos, fracassar muitas vezes por muito zelo em realizá-los, e vereis sempre a burguesia retornar enfim sobre o que ela deixou que se fizesse sem a isso opor-se. Em 1570 ...., em 1714 ...., em 1725 ...., em 1650 ..., em 1707 ..., em 1736 ..., em 1762 ..., em 1763 ....... Eis, senhores, fatos conhecidos em vossa cidade, e mais conhecidos por vós do que por mim; eu poderia acrescentar cem outros, sem contar os que me escaparam. Estes bastariam para julgar se a burguesia de Genebra alguma vez foi ou é, eu não digo agitada e sediciosa, mas vigilante, atenta e ágil na defesa de seus direitos melhor estabelecidos e mais abertamente atacados. (...)”


Hannah Arendt (in A Condição Humana; tradução de Roberto Raposo, posfácio de Celso Lafer.-10ª Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005), dá-nos um alerta de que: “Todo aquele que, por algum motivo, se isola e não participa dessa convivência, renuncia ao poder e se torna impotente, por maior que seja a sua força e por mais válidas que sejam suas razões” (pag.213)


Portanto, não se pode associar a designação de cidadão/cidadã, somente à garantia de direitos, posto que só essa forma não traduz efetivamente a cidadania, vez que tal designação implica o dever de participação que decorre da natureza gregária do ser humano, ou seja, da sua necessidade da vida em sociedade, carregando cada um, uma parcela de responsabilidade na persecução do bem comum, opondo-se ou resistindo ativamente aos entraves opostos contra o exercício da cidadania.


Isto é, assim como o Estado deve promover determinados direitos dos indivíduos, por outro lado cada cidadão deve por seu turno, obedecer ao conjunto de leis que tornam possível a vida em sociedade, vida essa que deve observar o princípio da solidariedade e participação.


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