terça-feira, 3 de maio de 2011

Penhorabilidade do imóvel do Fiador, decorrente de contrato de locação

Por Luiz Carlos Nogueira

nogueirablog@gmail.com

O instituto do bem de família tem por finalidade a proteção do lar, preservando a residência familiar das inúmeras conseqüências que podem ser provocadas por decorrência das questões de ordem econômica. E por envolverem a ordem pública, o legislador ao tratar do Código Civil /2002, deu ênfase à proteção da entidade familiar que constitui a célula mater da sociedade.


De tal sorte, destinou-se o Subtitulo IV para tratar do Bem de Família em seus artigos 1.711 a 1.722, que estão ligados ao Direito de Família.


“Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.

[...]”


Todavia, como se pode verificar na parte final do Art. 1.711 do Código Civil/2002: “[...], mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.”), não foi revogado o disposto na Lei nº 8.009, de 29 de maço de 1990.


Portanto, conforme Sérgio André Rocha Gomes da Silva, que escreveu “Da inconstitucionalidade da penhorabilidade do bem de família por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação”, in Revista de Direito Privado, São Paulo: Ed.RT, abr/jun 2000 — a proteção legal não é absoluta, pois segundo ele, o bem de família legal pode ser entendido como “a impenhorabilidade relativa do imóvel residencial do casal, ou da entidade familiar. Diz-se relativa a impenhorabilidade do bem de família, pois esta admite exceções, que encontram-se previstas no art. 3º, da Lei 8.009/90:


“Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:


I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;


II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;


III -- pelo credor de pensão alimentícia;


IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;


V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;


VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.


VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

* (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991) (*Lei do Inquilinato)


No entanto, a superveniência da Lei nº 8.245/91 (Lei do Inquilinato) trouxe controvérsias jurídicas, muitas delas apontando sua inconstitucionalidade.


Até o momento, prevalece no Superior Tribunal de Justiça (STJ) o entendimento de que a citada lei não é inconstitucional, podendo ser penhorado o imóvel do fiador:


“Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. da CF. Constitucionalidade do art. , inc. VII, da Lei nº 8.009/90, com a redação da Lei nº 8.245/91. A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. , inc. VII, da Lei nº 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei nº 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. da Constituição da República (STF, RE 407.688-AC, Relator Min. Cesar Peluso, DJ 06/10/2006).”


Assim não há a aparente inconstitucionalidade, quanto ao fato de o imóvel do fiador poder ser penhorado por dívidas do afiançado, em vista da nova redação do art. da Constituição Federal, só porque que a Emenda nº 26/2000 incluiu a moradia como um direito social fundamental, porquanto tal penhora permanece compatível com os princípios da Constituição Federal, nos casos expressamente previstos na lei.


Esta tese já era acolhida pelo extinto Segundo Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, conforme se extrai de alguns dos seus julgados, desde os idos de 1997:


"Execução – Penhora – Bem de família – Fiador – Inconstitucionalidade do art. 3.º, inciso VII, da Lei 8.009/1990 – Não reconhecimento. Não é inconstitucional a exceção prevista no inciso VII do art. 3.º, da Lei 8.009/1990, que autorizou a penhora do bem de família para a satisfação de débitos decorrentes de fiança locatícia" (2.º TACSP, Ap. c/ Rev. 656.658-00/9 – 1.ª Câm. – Rel. Juiz Vanderci Álvares – j. 27.05.2003, Anotação no mesmo sentido: JTA (LEX) 149/297 – AI 496.625-00/7 – 3.ª Câm. – Rel. Juiz João Saletti – j. 23.09.1997 – Ap. c/ Rev. 535.398-00/1 – 3.ª Câm. – Rel. Juiz João Saletti – j. 09.02.1999 – Ap. c/ Rev. 537.004-00/2 – 4.ª Câm. – Rel. Juiz Mariano Siqueira – j. 15.06.1999 – Ap. c/ Rev. 583.955-00/9 – 12.ª Câm. – Rel. Juiz Arantes Theodoro – j. 29.06.2000 – Ap. c/ Rev. 593.812-00/1 – 10.ª Câm. – Rel. Juiz Soares Levada – j. 07.02.2001 – Ap. c/ Rev. 605.973-00/3 – 8.ª Câm. – Rel. Juiz Renzo Leonardi – j. 26.04.2001 – Ap. c/ Rev. 621.136-00/1 – 10.ª Câm. – Rel. Juiz Irineu Pedrotti – j. 12.12.2001 – Ap. c/ Rev. 621.566-00/7 – 10.ª Câm. – Rel. Juiz Soares Levada – j. 12.12.2001 – AI 755.476-00/1 – 6.ª Câm. – Rel. Juiz Lino Machado – j. 16.10.2002 – Ap. c/ Rev. 628.400-00/7 – 3.ª Câm. – Rel. Juiz Ferraz Felisardo – j. 26.11.2002 – Ap. c/ Rev. 760.642-00/0 – 9.ª Câm. – Rel. Juiz Claret de Almeida – j. 27.11.2002 – AI 777.802-00/4 – 3.ª Câm. – Rel. Juiz Ribeiro Pinto – j. 11.02.2003 – AI 780.849-00/0 – 12.ª Câm. – Rel. Juiz Arantes Theodoro – j. 27.02.2003).


"Locação – Fiança – Penhora – Bem de família. Sendo proposta a ação na vigência da Lei 8.245/1991, válida é a penhora que obedece seus termos, excluindo o fiador em contrato locatício da impenhorabilidade do bem de família. Recurso provido" (STJ – REsp 299663/RJ – j. 15.03.2001 – 5.ª Turma – rel. Min. Felix Fischer – DJ 02.04.2001, p. 334).”


A propósito de uma explicação mais convincente sobre a constitucionalidade da lei, vale observar na sentença proferida pela juíza Teresa de Andrade Castro Neves, nos autos dos Embargos à Penhora, proc. 2003.001.100274-2, da 17ª. Vara Cível do Fórum Central da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, na qual atuou como advogado da locadora o Dr. Luiz Fernando Marin, em cuja defesa assim se pronunciou, conforme excerto extraído da entrevista feita pelo Portal dos Condomínios com o Dr. Geraldo Beire Simões, Diretor Jurídico da ABAMI Associação dos Advogados do Mercado Imobiliário:


"Apesar de sensível à questão da proteção à moradia no art. 6° da Constituição da República, entendo que os princípios constitucionais não são absolutos, devendo ser harmonizados com os demais direito, entre eles o da propriedade, também considerando direito fundamental, prevista sua proteção no mesmo art. 5°, caput e no seu inciso XXII da Constituição da República. O direito de propriedade importa no usar, fruir e dispor daquilo que é seu. Pois bem, importa em receber os frutos pela utilização da posse inerente a propriedade, no caso os alugueis. Assim, os fiadores ao assumirem esta posição, de antemão sabem do risco que estão submetidos. Sabem que caso o locatário, devedor original não pague os alugueis e encargos, responderão com o seu patrimônio pela dívida alheia. Diante desse quadro, desta ordem legal, assumiram os Embargantes a condição de fiadores. Agora que lhes é instado o cumprimento de sua obrigações tentam se desonerar, sem nada pagar, alegando o direito a moradia, negando o direito de propriedade, também constitucionalmente protegido do Locador, Embargado. Tal não é possível, seja por senso comum de justiça, seja porque em respeito a um princípio não se pode violar outro. Os dois relativos, também o Locador de desse em hipoteca bem seu e viesse após ser executado, não poderia invocar o respeito à propriedade, posto que de livre e espontânea vontade se despiu em parte deste, comprometendo seu bem. O mesmo fizeram os fiadores, se despiram em parte da garantia de sua moradia para garantir dívida de terceiro (...) Não podem simplesmente se desobrigar e transferir a responsabilidade de seus atos a terceiro, no caso, o Embargado que teve todas as cautelas legais para reduzir os riscos da locação. Tal agir é contrário ao princípio da boa-fé, não é assim que agem os homens de bem, eles honram seus compromissos, mesmo em dificuldades. Pois bem, harmonizando estes princípios que são relativos, entendo que não é inconstitucional o citado inciso VII do art. 3° da Lei n° 8.009/90, que visa inclusive garantira o direito à moradia à moradia, que não é apenas a própria, mas também a locada, estimulado a colocação no mercado de imóveis em locação. Caso contrário, se não concedermos tal segurança aos locadores faremos o sentido inverso, como já vislumbramos em outro cenário econômico do país, a ausência de oferta de imóveis para locação e a redução das construções por falta de investidores e dificuldades da população em obter moradia, seja própria, seja locada. A garantia da fiança com a exceção que permite a execução do imóvel tido como bem de família ao contrário de violar o direito à moradia, garante a todos o acesso a esta com o fomento das construções imobiliárias e estimulo a locação de imóveis, atendendo não só o direito a propriedade de quem aluga, como também o direito a moradia de quem loca. É neste sentido mais amplo que se deve analisar os princípios e leis., visando a paz social e o bem estar comum e não a caridade aparente que poderá gerar o colapso do sistema. Quem deve garantir o acesso à moradia é o Estado em parceria com todos os cidadãos, mas não um único cidadão suportar sozinho os riscos para garantir o direito a outro em prejuízo próprio. Assim, entendo perfeitamente válida a constrição do imóvel utilizado como moradia da família."


E o entendimento da juíza Tereza de Andrade de Castro Neves, não foi outro senão o de declarar em sua sentença, a plena constitucionalidade do disposto no inciso VII da Lei 8.009/1990.


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